Histórias de Moradores de Carapicuíba

Esta página em parceria com o Museu da Pessoa é dedicada a compartilhar o acervo de vídeos e histórias com depoimentos dos moradores.

História da Moradora: Amanda Cristina da Silva
Local: São Paulo
Ano: 06/08/2015



 



Vídeo: Professora ad eternum


Sinopse:

Amanda Cristina da Silva conta em seu emocionado depoimento ao Museu da Pessoa, como a cultura paraibana era forte dentro de sua casa, e como foi sua adaptação quando foi estudar na USP, Zona Leste. Conta casos sobre sua família e, principalmente, sua relação com seu pai. Ela fala sobre seu processo educacional, como foi sua caminhada dentro da universidade e sobre suas viagens internacionais. Comenta sobre seu processo de formação, as escolas aonde trabalhou e as experiências dentro da escola. Finaliza falando sobre o trabalho que desenvolve no Sesc de São José dos Campos.

História:

Eu sou Amanda Cristina da Silva, eu nasci em São Paulo, em 29 de setembro de 1987. Meu pai chama-se José Lourenço da Silva, ele nasceu na Paraíba, em Alagoa Grande, na verdade, João Pessoa, porque o hospital era lá, mas ele morou a vida toda em Alagoa Grande, junto com a minha mãe também que é de Alagoa Grande: Maria de Lourdes da Silva. Meu pai já é falecido, minha mãe, acho que tem 60 anos, mais ou menos. Quando eu nasci, os dois já estavam morando em São Paulo. O meu pai era motorista do senhor Laurindo, que era o empregador e minha mãe era essa faz tudo da casa. Os dois foram criados na Paraíba, era uma educação muito autoritária e também, muito fechada.

O meu pai tinha uma visão de que a mulher tinha que ser criada para servir o homem e que ela não tinha outra função, não tinha que estudar, não tinha que trabalhar, não tinha que fazer outras coisas. Então, a gente vivia muito cercado dessa cultura nordestina, por mais que estivesse em São Paulo, na verdade, não é capital onde eles moram, eles moram aqui numa cidade chamada Carapicuíba, cidade dormitório. Eu cresci em Carapicuíba. Eu nasci na capital, mas logo em seguida, esse senhor Laurindo, que a gente chamava de Doutor Laurindo, que ele era advogado, ele doou uma casa para os meus pais em Carapicuíba. Meus pais fizeram bastante jus à cultura e educação que eles receberam na Paraíba. Eles colocaram oito filhos no mundo, só que eles não tinham uma preocupação direta em todas as necessidades básicas que uma criança tem. Para eles, dentro da cultura deles, comer e beber tendo um teto era suficiente, mas isso não é suficiente, assim, pelo menos é o que eu penso, assim.

Eram três ruas só de família, então a gente vivia na casa um do outro. Falta um pouco desse controle que acaba perdendo, porque você já não está mais em Alagoa Grande, você já não está mais naquele mesmo sertão, é um outro contexto. Então, isso acabava ficando um pouco frouxo, mas também tinha a questão de que a gente estava todo mundo em família. Então, pensava-se que não tinham muitos problemas, não tinham muitos perigos e eu acho que, teoricamente, não tinha, mas na prática, talvez sim. Em casa, tinha que estudar, lavar e passar. Todas as famílias por parte de mãe e pai são muito numerosas. A minha avó teve 17 filhos, a minha tia que era a mais festeira, que morreu antes do meu pai, ela teve acho que ela teve 13, meu pai teve oito. Então, são famílias muito numerosas e é como eu disse, é cultural, é normal.

Eu estudava em uma escola pública, a vida inteira, todos nós. E eu estudava na escola bem próxima de casa. Quando eu montei o plano de sair de casa, eu comecei a procurar coisas que eu poderia fazer, porque eu vi que eu não conseguiria sair de casa se dependesse dos meus pais, pelo contrário, eles nunca iam querer isso. E se eu não me movesse, eu também não ia sair de casa, eu ia ficar para sempre lavando, passando e cozinhando.

Então eu comecei a procurar e eu sempre foi muito orelhuda, muito de escutar conversas para ver o que as pessoas estavam fazendo, o que elas estavam curtindo, porque se outras pessoas estavam fazendo e curtindo outras coisas, talvez aquelas coisas fossem interessantes e, observava qual era o status quo dessa pessoa, falava: “Bom, essa pessoa tem umas roupas legais, ou tem um chofer que é o pai dela, que faz isso, faz aquilo”. Eu ficava observando como é que eram as pessoas, como as pessoas agiam e o que elas agiam para ver:”Isso aqui dessa pessoa me interessa, o que ela faz para ter isso?” Então, eu comecei a ver e eu vi que algumas dessas pessoas faziam uns lances que eu achei interessante. Então aos finais de semana, eu comecei a ir para um programa chamado “Escola da Família”.

Com 13 anos, eu comecei a ir para “Escola da Família”, porque era um programa que abria a escola aos finais de semana e que tinha atividades culturais. Até então, eu não sabia o que eu ia fazer e nem o que eu queria fazer, eu só sabia que eu queria ficar o maior tempo possível longe da minha casa. Então eu falei: “Vou fazendo essas mil coisas, uma hora eu descubro o que eu quero fazer e uma hora dá certo”, então eu fui fazendo. Eu arrumei cursos para fazer à noite, estudava de manhã, depois eu arrumei coisas para fazer no final de semana e, depois, nesse mesmo tom de ficar ouvindo as pessoas e ficar sabendo o que elas iam fazer, eu descobri algumas provas de uns colégios, descobri um colégio de formação de professores e de um outro na Lapa, que era formação de técnicos, secretariado e técnico em segurança do trabalho. Eu fui fazendo as provas, fiz a prova do técnico na Lapa, fiz mais uma que eu não lembro onde era, acho que era Pinheiros e fiz uma para essa escola de formação de professores, que na época, chamava Cefam, que era em Carapicuíba mesmo. Eu passei nas três provas, só que duas que eram na Lapa e em Pinheiros, tinha que pagar metade da passagem e os caras davam a bolsa do curso, você estudava de graça, só tinha que bancar metade da passagem. Eu fui fazer o curso de formação de professores, porque alguns escolhem, outros fazem as oportunidades.

Então foi o caso de fazer naquele momento, não tinha muita escolha, quando a gente pode, pode. Depois que eu passei a receber essa bolsa do governo pelo Cefam, eu passei a ajudar em casa. No último ano do Cefam, ele era até o quarto ano, você terminava o terceiro médio no Cefam e tinha mais um ano que era exclusivo para a formação de professores. Então, no terceiro médio que eu terminei, de novo, nesse lance de orelhada, eu comecei a ver uma movimentação dos meus colegas para prestar prova de vestibular, mas assim, tinham várias coisas que para mim eram surreais, porque naquele mundinho de Alagoa Grande vivendo em Carapicuíba, muitas coisas não se falavam, muitas coisas sequer, existiam. E isso era normal, eles nunca tinham passado por “n” experiências. Então, quando eu comecei a ouvir esse lance de vestibular, comecei a dar uma pesquisada, fui ver o que era, como é que funcionava e tudo mais e prestei umas três ou quatro provas e felizmente passei na Faculdade de Artes e na USP, na Zona Leste, eu falei: “Putz, de novo, o dilema. Caramba”.

Com 17, eu saí de casa, o meu pai só ia deixar eu sair com 18, mas eu tinha uma desculpa, que era estudar, então, eu consegui sair, então eu acho que o plano que eu desenhei quando eu tinha 13 anos se concretizou muito bem. Fui morar fora, mas todo estudante que depende das bolsas da USP sabe que as bolsas não cobrem os custos reais. Então eu fui morar num bairro horrível, que hoje eu posso dizer que é horrível, mas na época que eu morava lá, era a única coisa que eu tinha. Então era o meu lar e se o meu lar é horrível, ele continua sendo o meu lar. Fiz Licenciatura em Ciências da Natureza. Curso super diferente, acho que agora já é um pouco mais conhecido, já são nove anos. São nove? Faz tempo! Mas enfim, já faz um tempinho, então é a formação de professores de Ciências. Hoje, eu sou professora. Minha mãe fala: “Nossa, além de ser professora, é professora de todos!”, verdade, professora desde os pequenininhos na pré-escola, por conta do Cefam, até o ensino médio e podendo lecionar em faculdades particulares, porque eu também tenho mestrado. Então, professora ad eternum.

Então o fato de já entrar na EACH foi fato inédito na minha família, foi um fato inédito em várias famílias que têm a mesma história que a minha. Tem uma história muito engraçada, trágica, mas muito engraçada, que quando eu passei na USP, meu pai chegou no trabalho dele, ele trabalhava em uma rede de loja de brinquedos e ele trabalhava diretamente para os donos.

Ele era motorista de caminhão que fazia entrega, mas pelo tempo de casa que ele tinha e pela dedicação que e o meu pai tinha, porque o meu pai quando tem aquela frase: “Já não se fazem funcionários como antigamente”, o meu pai é um dos que morreu, porque o meu pai era um servo, era o símbolo da servidão. Então, ele era muito benquisto dentro daquele grupo de empresários, os donos da rede e quando eu passei na universidade, ele não sabia nada, mas eu cheguei em casa, falei: “Pai, passei na USP, passei na USP”, assim, super saltitante e serelepe e todo mundo olhando assim, tipo aquela cara: “Legal, o que é isso?, e aí foi isso. Então, meu pai chegou na loja, na rede, na casa da patroa e falou: “Eu tenho uma novidade muito boa para contar”, e a dona lá: “Ah é, Léo? O que é?” ”Minha filha passou na USP”, ele não sabia o que era a USP, ele não tinha a menor ideia do que era USP, tipo, é de comer? Ele só sabia que eu estava feliz, eu estando feliz, meu pai está feliz e a mulher começou a esbravejar: “Você está louco? Imagina, sua filha nunca ia passar na USP, meu filho está tentando há quatro anos e não passa, por que a sua filha vai passar?”. Falando desse jeito com o meu pai e ele sem entender. Ele falou: “Desculpa senhora, eu vou arrumar uma coisa ali e já volto”.

Meu mestrado é voltado para educação não formal. Então, o que eu falo é que é uma abordagem da percepção dos monitores sobre as emoções do público ao visitar o espaço educativo. Então, é uma tentativa de explicar biologicamente as emoções do público ao entrar no espaço novo para eles, num espaço educativo. As viagens, elas ocorreram em vários momentos, como eu gosto muito de viajar, foram vários momentos viajando, Porque em vários momentos da minha vida, quando eu tive uma ascensão muito grande, houve um impacto muito severo de vários valores, culturas e tudo mais e uma carga preconceituosa muito grande, porque as pessoas quando me veem hoje não acham que eu já tive um outro lado da história: “Você trabalha no Sesc, você estudou na USP, você isso, você foi para a Europa, você foi para a América do Sul…”, e não parece que eu tenho família e eu tenho, eu ainda tenho a minha família, eles continuam no mesmo status quo, abaixo da camada de gelo e eu não nego, eu amo eles. Então, é só que infelizmente, eles não têm a mesma avidez que eu por uma coisa diferente daquilo, para eles, aquilo talvez esteja bom e eu não posso mudar isso.

Em 2008, eu terminei a universidade. E quando eu terminei a universidade, eu fui lecionar, e eu lecionei em colégios particulares, escolas públicas, eu gostei muito da experiência de lecionar em escola pública. Eu acho que foi muito válido, me fez crescer, algumas coisas que eu fiz lá dentro, eu carrego no coração até hoje, porque os meninos eram meninos incríveis, a gente tem meninos incríveis por aí a fora, eles são fantásticos! Depois que eu dei aula nesse colégio particular, foi em 2009, eu entrei numa editora, trabalhei na Editora Moderna, fazendo edição de livros de Ciências, também e logo depois que eu entrei na editora, surgiu um processo seletivo para pesquisador na universidade… em algumas universidades por fora do mundo e de novo, eu prestei “n” processos.

Aí, um era para Inglaterra, outro para Portugal e um para o Japão, meu namorado na época era japonês, ele falou: “Não acredito, vai para o Japão”… Escolhi ir para Portugal. E quando cheguei lá foi muito legal, porque eu conheci esse grupo de amigos que estava mais próximo de mim, a búlgara, o alemão e o italiano e depois disso, chegou um monte de brasileiros . Eu nunca vi tanto mineiro, gente, parece que mineiros brotavam do chão assim, eu falei: “Gente, que legal”, até então, não conhecia mineiro, mas mineiro é uma coisa tão fofa, mas tão fofa, gente, que dá vontade de pôr no colo. São quatro meses só, porque aí quando eu cheguei lá, a galera me aconselhou a bolsa no mestrado aqui, eu falei: “Ai, que brincadeira! É só eu chegar, dar um pulinho para fora e a galera manda voltar”, e eu fiquei então só os três meses do contrato e um mês viajando e voltei para fazer o mestrado com Bolsa, porque agora tinha que ser dedicação integral com verdade. Foram sete países, eu acho.

Foi Itália, Alemanha, França, Eslováquia, República Tcheca, Portugal e qual? Está faltando um, não lembro. Enfim, essa viagem me rendeu vários momentos assim, foram muito legais e foram momentos de muita descoberta, foram momentos de falar: olha, chegou a hora de largar tudo aquilo para trás e começar uma vida nova. E aí, foi quando eu passei no Sesc, voltei para o Brasil, nem terminei o meu mestrado, estava fazendo o meu mestrado com a bolsa, me chamaram para o Sesc, eu entrei no Sesc e terminei o meu mestrado e continuo aqui até hoje. Agora, eu cheguei num momento em que eu falo que a minha vida está mais estável, porque eu já moro num lugar que tem teto, é bonito! Às vezes, o Rodrigo, que é o meu atual namorado, ele fica pegando no meu pé: “Amanda, você não se mexe, você não faz as coisas”, eu falo: “Cara, você não tem noção de como eu já me mexi até hoje, me deixa quieta um instante”.

Quando eu morava no Keralux, Jardim Keralux, na zona leste de São Paulo, lá do lado da EACH, eu comecei a fazer um negócio que eu chamo meio de mural de desejos, na verdade, são objetivos do ano, é um mapa, gente, eu adoro mapas, mas eu comprei um mapa que eu gostei mais do que esse, aí usei esse para outra coisa. E eu comecei a fazer isso, o primeiro objetivo do ano que eu fiz foi em papel higiênico grudado na parede, esse é um dos mais sofisticados, mas tem um mais sofisticado do que esse. Esses são meus sonhos.

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